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domingo, 26 de dezembro de 2010

Doença genética é subdiagnosticada

O diagnóstico da Niemann Pick C é desafiador para especialistas de todo o mundo
Poucos médicos têm conhecimento específico sobre a Doença de Niemann Pick tipo C (NPC), realidade que leva muitos portadores ao redor do mundo a conviverem por muitos anos com o diagnóstico errado, incapacitados de receber o tratamento adequado. 

Por ser uma condição genética hereditária rara, na qual os portadores não conseguem metabolizar corretamente o colesterol e outros lipídios (moléculas gordurosas) dentro de suas células, quantidades nocivas de colesterol se acumulam no fígado, baço e cérebro.


Os sintomas, que geralmente aparecem da metade até o final da infância (apesar de poderem aparecer a partir de alguns meses após o parto até a sexta década de vida), incluem desde problemas no movimento dos olhos, fraqueza muscular súbita, dificuldades ao engolir (disfagia), fala arrastada e irregular (disastria), até convulsões e icterícia (coloração amarelada da pele e dos olhos).

Em função da complexidade dos sintomas (afetam partes diferentes do corpo), a NPC também pode ser confundida com distúrbios de aprendizagem, transtornos psiquiátricos e problemas hepáticos.

Educação médica
O diagnóstico da NPC é desafiador. Devido ao comprometimento do Sistema Neurológico, a dificuldade de reconhecer a doença por completo preocupa especialistas de diversas áreas. E foi para ampliar a discussão sobre o tema que neurologistas, pediatras e geneticistas, especialidades diretamente envolvidas no diagnóstico e tratamento dos portadores, participaram, nos dias 10 e 11, no Rio de Janeiro, do I Simpósio Latino Americano de Niemann Pick tipo C.

A escolha do Brasil para sediar o encontro ocorreu em razão dos médicos brasileiros terem mais experiência com o manejo da doença e os portadores, apesar das dificuldades, terem acesso, através da Justiça, ao único medicamento aprovado no mundo - o Miglustate - para o tratamento da NPC.

Segundo a neurologista infantil e representante da Rede Brasileira de Neurolipidoses, Dra. Vanessa van der Linden, a existência de uma medicação eficaz para doenças raras - como é o caso da NPC - é um fato incomum. Informa que, do ponto de vista terapêutico, a droga é uma ação inovadora, uma vez que ultrapassa a barreira encefálica e consegue agir no Sistema Nervoso Central, impedindo um maior acúmulo de substâncias no cérebro.

Diagnóstico
O diagnóstico da Niemann Pick C deve ser considerado para indivíduos que apresentarem: hidropsia fetal ou doença hepática neonatal; hipotonia infantil sem evidência de progressão por meses ou anos; sintomas psiquiátricos (similares à depressão ou esquizofrenia); inchaço do fígado ou do baço (principalmente no início da infância). Quando um médico suspeita do diagnóstico de NPC, existem duas opções de procedimentos: a biópsia de pele ou o teste genético.

A segunda opção não é empregada como a principal ferramenta para fechar o diagnóstico devido ao grande número de erros únicos (mutações) nos genes NPC1 e NPC2, e o fato de muitos pacientes com NPC clássica não apresentarem mutações identificáveis no NPC1 e NPC2.

No Brasil, a biópsia de pele é realizada exclusivamente por um laboratório em Porto Alegre (RS) pelo geneticista Roberto Giugliani, do Serviço de Genética Médica do Hospital das Clínicas e diretor do Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde (OMS) para o Desenvolvimento da Genética na América Latina. O exame consiste na remoção de um pequeno pedaço de pele, onde as células cutâneas (fibroblastos) são cultivadas em laboratório, onde é medida sua habilidade de se movimentar e armazenar colesterol.

Sintoma/tratamento
Problemas alimentares: a maior parte das crianças com NPC eventualmente precisa ser alimentada por gastrostomia (tubo direto no estômago através do abdome);

Cataplexia: antidepressivos tricíclicos ou estimulantes do SNC podem ser eficientes para controlar a cataplexia (perda da força muscular);

Distornia e tremores: alguns pacientes respondem aos medicamentos anticolinérgicos;

Restrição de movimentos: fisioterapia é indicada para manter a mobilidade por maior tempo possível;

Convulsões: anti-epilépticos podem controlar/diminuir a frequência das convulsões;

Distúrbios do sono: melatonina ou sedativo noturno pode ser indicado. Em casos complexos, avaliação formal por um especialista em sono;

Constipação: os pacientes devem ter um programa de movimentos intestinais regular como prevenção;

Problemas pulmonares: fisioterapia com broncodilatação agressiva aparenta ser benéfica. Terapia com antibióticos deve ser fornecida em caso de infecção pulmonar.

MAIS INFORMAÇÕES
Associação Cearense de Doenças Genéticas (ACDG)
Rua Barão de Aratanha, 881 - Centro
(85)3254.4260

*O atendimento é ambulatorial e semanal com equipe multidisciplinar

Hospital Infantil Albert Sabin
Rua Tertuliano Sales, 544 - Vila União
(85)31014200

*O atendimento acontece todas as segundas-feiras (a partir das 13 horas)

Entrevista
É devastador quando o diagnóstico de uma doença genética hereditária é tardio e o risco de recorrência era desconhecido
Por ser uma doença subdiagnosticada, como a senhora vê a necessidade dos profissionais de saúde serem melhor informados sobre a NPC?

A NPC, como várias outras doenças genéticas, é subdiagnosticada no Brasil. As doenças genéticas são negligenciadas pelo governo e por instituições de ensino como as faculdades de medicina, pois durante muito tempo não havia a disciplina de genética obrigatória nas universidades. Até agora a minoria delas tem genética médica, se resumindo à genética básica que muitas vezes é revisão do que os alunos aprenderam nas escolas, sem prática médica como atendimento a pacientes e treinamento para reconhecimento de sinais e sintomas.

É devastador quando o diagnóstico de uma doença genética hereditária é feito tardiamente, principalmente quando já há o nascimento de outros filhos afetados em uma família que não sabia que o risco de recorrência era alto. Portanto, vejo a necessidade do ensino de genética nas faculdades de medicina onde devemos pensar que, apesar de raras, determinadas patologias têm tratamento - que deve ser instituído de forma precoce - e a falta do reconhecimento da doença e início da terapia pode piorar a qualidade de vida do paciente e da família, ou até levar a óbito do afetado.

O governo brasileiro não tem políticas publicas de saúde, não se preocupa em manter registro dos pacientes com essas doenças e não tem noção da importância de prevenção e planejamento de redução de custos para esses tratamentos.

As empresas farmacêuticas têm programas de educação em saúde e atualização para médicos envolvidos com a identificação das doenças e novos tratamentos, mas não conseguem atingir um grande numero de médicos, até por que muitos não se interessam por doenças raras. Concluindo, essa situação só mudaria se os esforços de universidades, serviço público e privado se juntassem para mudar o subdiagnóstico de doenças genéticas no Brasil.

Como integrante da Rede Brasileira de Neurolipodoses, o Ceará é um dos poucos estados a contar com centros onde são feitos atendimentos. Qual a incidência e a procura por estes serviços?
O centro de tratamento médico para NPC é o Hospital Infantil Albert Sabin. A ACDG complementa o tratamento através da ajuda às famílias em relação a necessidades sócio econômicas delas e defesa dos direitos dos portadores de doenças genéticas. Acredito que o tratamento nunca seria completo com a ação de apenas uma das instituições citadas, pois o trabalho em conjunto é muito melhor para o paciente.

Em função da falta de conhecimento específico sobre NPC, muitos pacientes convivem por longos períodos com o diagnóstico errado e sem o tratamento devido. Essa realidade é igualmente presente no nosso estado?
Não só no nosso estado, mas em outros estados brasileiros e em outros países. O Brasil não é o único e nem o pior na problemática de subdiagnóstico de doenças raras, mas aqui temos excelentes médicos com boa noção de diagnóstico clínico, porém os sintomas da NPC são inespecíficos, ou seja, são os mesmos de várias doenças mais comuns. Portanto, a identificação exige a presença de um conjunto de sintomas que só será suspeitado se o médico conhecer de forma detalhada a doença.

Alguns dos sinais podem surgir nos primeiros dias de vida. Quais os que indicam que os pais devem buscar ajuda especializada?  Como é fechado o diagnóstico da NPC?
Uma simples icterícia ou amarelão da pele pode ser NPC, no entanto, os pediatras e gastroenterologistas devem ter noção de todos os sintomas. O diagnóstico completo da doença é feito através do estudo em material de biopsia de pele. No Ceará temos um grupo treinado para esse procedimento, com gastroentereologistas, geneticista, neurologista e um dermatologista responsável pelas biópsias. O material é encaminhado para a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no centro que é referencia para America Latina.

Com a assistência médica específica e tratamento adequado, qual a perspectiva e qualidade de vida de um paciente com NPC? Ou cada caso é um caso?
Atualmente fazemos o tratamento dos pacientes que tinham diagnóstico desde a fase pré-tratamento, mas no futuro queremos fazer diagnóstico e tratamento precoce. Isso não significa descobrir a doença na infância, pois o quadro clínico do paciente pode acontecer em várias fases da vida e até na fase adulta com sintomas psiquiátricos associados a sinais de alteração neurológica. 

O tratamento foi idealizado para barrar a história natural da doença levando a uma melhor qualidade de vida para o paciente e para a família, no entanto, acredito que outras medicações serão desenvolvidas para melhorar a terapia dessa e de outras doenças genéticas que afetam pacientes em todo o mundo.

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Por Marcos Silva