ENTREVISTA ALEXANDER ROBERTO PRECIOSO
Jornal Diario do Nordeste 28/03/2010
PRECIOSO ADVERTE que é preciso estar atento à evolução do H1N1 e admite a possibilidade de mutações no vírus
DIRETOR MÉDICO DE ENSAIOS CLÍNICOS DO INSTITUTO BUTANTAN
Coordenador do estudo para produção da vacina contra a gripe A , Alexander Precioso recomenda à população inserida nos grupos de risco que não deixe de se proteger
Como poderia ser definida a gripe suína no sentido do risco que ela representa?
Ela é uma gripe que pode ter um comportamento muito semelhante à influenza sazonal, mas, infelizmente, em pessoas relativamente jovens ela pode ter um custo mais desagradável, um custo fatal. Por isso, recomendo a vacinação para todos os grupos de risco.
Qual o grau de eficácia da vacina contra a gripe A?
A eficácia é extremamente louvada. Diferentes vacinas foram avaliadas em vários países e tanto a segurança dela foi excelente quanto a eficácia. Mais de 90% das pessoas que são vacinadas desenvolvem tipos de anticorpos considerados protetores contra o vírus H1N1.
Com apenas uma dose, a pessoa fica imunizada definitivamente contra a doença?
Esse tipo de resposta nós não temos ainda porque essa é uma vacinação recente. Ela começou no final do ano passado, nos países do Hemisfério Norte, e só agora está ocorrendo nos países do Hemisfério Sul, como no Brasil. Precisamos de um tempo maior para repetir a avaliação sorológica de pessoas que já tomaram a vacina para poder dizer, com certeza, qual é o tempo que essa imunidade se mantém no organismo. Ainda é muito cedo para falar se a imunidade é permanente ou não.
Em quanto tempo vocês devem ter essa resposta?
Uma vez iniciada a vacinação, nós estamos organizando alguns estudos para convidar as pessoas que tomaram a vacina a participar desse estudo em momentos específicos. Por exemplo, seis meses, um ano (depois da imunização), para que nós possamos fazer uma avaliação sorológica e ver qual é o nível de anticorpos que as pessoas desenvolverão após terem recebido a vacina.
Um ano é um prazo suficiente para chegar a essa conclusão?
É, porque essa vacinação contra a influenza é anual. Então, (depois de um ano), nós poderemos ter a resposta se será necessário que essa vacina seja repetida anualmente ou não.O vírus da gripe é suscetível a mutações muito rapidamente.
A vacina produzida no Brasil é capaz de garantir imunidade a possíveis alterações do H1N1?
Por enquanto, as informações oficiais que nós temos é que esse vírus, em particular, não sofreu mutações ou alterações importantes que faria com que novas vacinas tivessem de ser produzidas. Até o momento, esse vírus tem se mostrado relativamente estável. Portanto, não tem informação de que essa vacina pode continuar sendo utilizada por enquanto e, eventualmente, até daqui a um tempo.
Pelos estudos que vocês já têm, existe a possibilidade de haver mutações nesse vírus?
Qualquer vírus pode mudar, como o próprio vírus da influenza sazonal pode mudar, e muda frequentemente. Esse vírus agora, o H1N1, nada mais é do que um vírus influenza que já existia e foi sofrendo mudanças ao longo do tempo. Então, essa possibilidade de mudança existe, mas até o momento não se tem nenhuma informação que justifique a preocupação de se ter que fabricar uma nova vacina contra ele.
Existe diferença entre as vacinas fabricadas pelo Butantan e pelos demais laboratórios internacionais (Glaxo Smith Kline [GSK], SANOFI Pasteur [em parceria com o Instituto Butantan] e Novartis)?
Neste momento, a vacina produzida pelo Instituto Butantan não contém adjuvantes, enquanto as outras vacinas que foram compradas pelo Ministério (da Saúde) para serem usadas nessa campanha têm adjuvantes. O adjuvante é um elemento que é produzido na vacina para que você consiga reduzir a dose do antígeno vacinal e mesmo assim ele ser capaz de produzir uma resposta imunológica adequada na pessoa (o médico explica que o antígeno é a partícula do vírus morto usada na vacina para desenvolver a resposta imunológica). O nosso estudo, que foi iniciado em janeiro e que uma vez está sendo realizado, é (para produzir) uma vacina com adjuvantes. Uma vez finalizado esse estudo, também teremos a informação de ter outras possibilidades de vacina a serem desenvolvidas no Butantan: (um antídoto) com adjuvante, portanto com uma dose de antígeno menor e, dessa forma, haver a possibilidade de se produzir mais doses de vacina.
Essa diferença na composição das vacinas causa diferença nos efeitos sobre o paciente?
Não, os efeitos são semelhantes, a eficácia é semelhante e a segurança também. Eventualmente, pode ter, tanto para uma quanto para outra, alguns eventos que parecem mais frequentes, mas isso ocorre sempre quando você vacina uma grande quantidade de pessoas ao mesmo tempo.
Nos países que começaram a vacinação antes do Brasil, a imunização está sendo bem sucedida?
Pelas informações que tenho, sim. É claro que os programas variam de país para país, mas a informação que nós recebemos é que as campanhas ocorreram sem nenhum problema e houve uma aceitação da população para a vacina.
Por que o vírus tem sido mais letal em pessoas jovens?
A explicação é que as pessoas de mais idade, de alguma forma, já podem ter tido algum contato com um vírus semelhante a esse e se tornaram, vamos dizer assim, protegidas. Os jovens, que nunca entraram em contato com esse vírus, que é novo, se tornam mais suscetíveis e, por conta disso, eventualmente, causa influenza mais grave.
As pessoas mais velhas já tiveram contato com o H1N1?
Esse vírus H1N1 já circula desde o início do século passado. É claro que tem características diferentes, mas as mudanças que os vírus vão sofrendo ao longo do tempo é que fazem com que, eventualmente, um mesmo tipo de vírus com algumas modificações possa causar uma pandemia ou não.O Ministério da Saúde optou por não vacinar pessoas de dois a 19 anos; pessoas entre 40 e 59 anos; e idosos não acometidos por doenças crônicas a partir dos 60.
A medida que os outros grupos forem vacinados, essas pessoas não passam a ter maior risco de contrair o vírus?
Eventualmente sim, mas existe uma questão: muitas vezes, pessoas que não foram vacinadas, de uma certa forma, não adquirem a doença porque as que foram vacinadas podem conferir uma certa proteção inclusive para os não vacinados. Isso é possível de ocorrer. No entanto, essa situação de quem não foi incluído (na campanha) neste momento pode ser modificada, até mesmo pela questão do tempo - de como é o que vírus vai se comportar aqui no Brasil. Para isso, é preciso aguardar a evolução do comportamento do vírus e aguardar o comportamento epidemiológico desse vírus para poder saber se vai ser necessária uma mudança da ordem para vacinar ou não.
De que forma pessoas vacinadas podem conferir proteção a quem não foi vacinado?
Isso acontece porque, de uma certa forma, o próprio vírus fica menos circulante. Vamos dizer assim: as pessoas estariam menos expostas. Ou, eventualmente, um tipo de vacina pode proteger contra um outro tipo de vírus parecido, mas tudo isso (varia) por população. Por isso, a pessoa tem que vacinar, tem que acompanhar depois da vacinação o que acontece no país do ponto de vista da epidemiologia do vírus para saber se esse tipo de proteção ocorreu ou não, ou se vai ser necessário incluir outros grupos populacionais nas campanhas de vacinação para que, de uma forma efetiva, ele esteja protegido.
Por que a atual vacina não é recomendada para os menores de seis meses de idade?
Na realidade, o recém-nascido até os seis meses de idade tem uma quantidade grande de anticorpos que foram passados da mãe para o feto. Quando eles nascem, têm tipos de anticorpos que podem ser protetores contra determinadas doenças. Por exemplo, uma mãe que, eventualmente, já tem a proteção contra o vírus da influenza produz anticorpos que passam aos seus filhos durante a vida gestacional. Uma vacina para uma população que já tem anticorpo não teria muito sentido. A partir dos seis meses, as crianças ficam mais suscetíveis a terem doenças infecciosas.
Então menores de seis meses estão imunes à doença?
Eles podem estar imunes. A grande maioria, pelos anticorpos que passam da mãe para o filho, mas também têm doenças infecciosas que vão ser mais comuns dentro dos seis meses de vida e outras depois dos seis meses de vida. O influenza entra neste caso.
Que risco uma pessoa que está nos grupos prioritários corre se deixar de tomar a vacina?
O risco de ter uma doença mais grave, com complicações mais frequentes, portanto, risco de hospitalização, internalização e de não ter uma evolução tanto por sua doença de base quanto pela própria influenza.No próximo mês, se completa um ano da divulgação da gripe suína anível global (a origem exata ainda causa controvérsias).
Depois desse tempo, a classificação de "pandemia", feita pela Organização Mundial de Saúde (OMS), é justificável?
Acho que justifica pelo jeito que a doença se estabeleceu. Um grande número de casos, em vários países do mundo, em vários locais ao mesmo tempo, numa faixa etária, quando acometido em termos de gravidade, que não é o comum: em uma população relativamente jovem.
FIQUE POR DENTRO
Quem é Alexander?
Natural de São Paulo, o pediatra Alexander Roberto Precioso, 45, é graduado pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade Estadual de São Paulo (USP), em 1990. Nove anos depois, tornou-se doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da mesma instituição. Além de ser diretor médico de Ensaios Clínicos do Instituto Butantan, é médico pesquisador do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da USP e do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da USP. Ser o coordenador geral do estudo para produção da vacina contra a gripe suína no Instituto Butantan, único laboratório brasileiro a fabricar o antídoto, tem sido "uma grande honra" para ele. "Eu realmente encaro esse trabalho como muito bonito, no sentido de que estamos tentando produzir mais segurança e saúde para a população brasileira, com o desenvolvimento de vacinas aqui no próprio Instituto Butantan", afirma. O laboratório é um centro de renome internacional em pesquisa científica de animais peçonhentos, sendo vinculado à Secretaria de Saúde do Governo do Estado de São Paulo
ÍCARO JOATHAN
Repórter
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